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Por Melissa Cannabrava e Renata Fontanetto

A gente bem sabe que esta pergunta não é nada fácil de responder. Como mensurar o valor da ciência, principalmente durante uma pandemia? A proposta desta reportagem não é bater o martelo em cima de uma única resposta, mas costurar caminhos e diferentes opiniões. A ciência, enquanto prática social que faz parte de nossa cultura, é o resultado de campos científicos diversos, estejam eles nas ciências humanas e sociais, nas ciências da terra, nas exatas ou nas ciências da vida. Do latim "scientia", a palavra "ciência" vem de “conhecimento”, e o desenvolvimento científico é garantido pela Constituição Brasileira de 1988, nos artigos 218 e 219. Durante a pandemia, cientistas de todo o mundo estudam o novo coronavírus e buscam valorização e apoio às pesquisas científicas.

Investir em ciência é importante para o desenvolvimento de qualquer país, afirma o físico e astrônomo Thiago Signorini, que conversou com o Museu da Vida. O pesquisador participou ativamente de uma iniciativa on-line que bombou na internet no dia 8 de julho, Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico. Para estimular que cientistas de todo o país compartilhassem fotos do dia a dia de trabalho, a hashtag #CientistaTrabalhando mobilizou tweets e reflexões sobre a prática científica e a ciência como processo.  
 

 

“Achamos que seria uma boa ideia fazer uma iniciativa para chamar a atenção. Sobretudo, mostrar para a população que a ciência está funcionando. Precisamos divulgar mais a ciência em tempos de pandemia e precisamos dela em diversas ocasiões, principalmente agora. Queríamos uma hashtag que engajasse os cientistas e que mostrasse que a ciência é um processo, não algo mágico. A vacina para a Covid-19, por exemplo, não vai surgir magicamente de uma hora para a outra”, reflete Thiago.

A ideia da campanha nasceu dentro de um grupo no WhatsApp com divulgadores científicos que já participaram de ações do Instituto Serrapilheira, instituição privada que busca fomentar pesquisas brasileiras e projetos de divulgação científica pelo país. “Estamos muito satisfeitos com o resultado da tag. Foram milhões de pessoas envolvidas que viram e sentiram o impacto”, avalia Thiago. O tuitaço foi propagado por influenciadores importantes, como o biólogo Átila Iamarino, o perfil Quebrando o Tabu e a jornalista Hildegard Angel, alcançando mais de 10 milhões de visualizações em cerca de 6 milhões de contas individuais.

Thiago observa que a escolha do governo em priorizar e valorizar apenas as ciências aplicadas é uma atitude que está sendo muito criticada dentro da comunidade acadêmica. Existe um processo de desvalorização das ciências humanas e das ciências básicas, como a astronomia, área em que ele atua. Segundo ele, não existe país no mundo que tenha crescido em termos de ciências aplicadas sem a ciência básica e investimentos em ciências humanas.

“A gente tem que sair dessa mentalidade de que a ciência importante e que deve ser valorizada é só aquela que tem uma aplicação direta, imediata, como, por exemplo, a engenharia, a farmacologia e a biomedicina. Não há como ter ciência aplicada se não há ciência básica e um ambiente de fomento à pesquisa. Isso é fundamental. O valor da ciência precisa ir muito além de um produto final ou uma patente. A gente tem que pensar no valor do próprio conhecimento. Se a gente deixa de lado as ciências humanas e a ciência básica, estamos desmantelando todo um sistema de construção de conhecimento no país que, eventualmente, acaba afetando a ciência aplicada”, defende.

Universo digital precisa ser apenas uma das realidades da divulgação científica

Campanhas como essa, voltadas para o Twitter, têm um perfil específico de público-alvo, avalia Rafael Bento, estrategista de conteúdo de divulgação científica da agência NuminaLabs. “O objetivo é atiçar mais o pesquisador jovem, que é quem está no Twitter. A divulgação científica em meios digitais tem o seu papel, mas também falta profissionalização e articulação desse tipo de iniciativa. As atividades presenciais são fundamentais também. Nas escolas, nas comunidades, nos museus e até mesmo em bares”, afirma, fazendo referência a eventos públicos em formato de happy hour como o Chopp comCiência e o Pint of Science.

Para ele, se o Brasil tivesse investido mais em diferentes áreas de pesquisa, já que a pandemia requer um tratamento multidisciplinar, estaríamos em um patamar diferente. “A gente consegue ver o quanto custa a falta da ciência. A demora em sairmos desta crise sanitária se deve basicamente à falta de investimento em ciência dentro do setor público e à falta de ciência na cabeça das pessoas”, avalia. “A gente precisa de inovações sociais, comunicacionais, microbiológicas, epidemiológicas... Ficou muito nítido como deveríamos depender menos de outros países para fazer a nossa pesquisa voltada para os nossos interesses.”

Ele reflete, ainda, que a ciência nacional já entrou deslegitimada na pandemia. “Os cortes na ciência já vinham acontecendo há alguns anos e, agora, há um ataque à intelectualidade como um todo. Com a pandemia, é legal ver que o interesse das pessoas aumentou, mesmo sendo um interesse factual para grande parte das pessoas e não um entendimento sobre o processo da ciência e por que ela é confiável. A divulgação científica fez um trabalho muito bom com o que ela já tinha, mas ela ainda está muito factual e correndo atrás de imensos prejuízos. É uma oportunidade para aprendermos muito para que, numa próxima crise, tenhamos uma capacidade de divulgação científica instalada mais preparada.”

Sistema público de saúde fortalecido é essencial para a ciência nacional

Falar de ciência sem mencionar a saúde pública brasileira em um cenário de pandemia é igual a montar um quebra-cabeça e perceber que peças importantes estão faltando. Médica por formação e doutora em Saúde Coletiva, a vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Machado, avalia o momento único pelo qual a saúde pública passa. “A Fiocruz está completando 120 anos em um momento marcante, com o endereçamento da pandemia. Isso vem ocorrendo em várias frentes: no diagnóstico, produzindo kits para a detecção do vírus causador da Covid-19, em estudos moleculares e, agora, na frente sorológica em grande escala. Começamos a ajudar nos processamentos dos testes, organizando centrais analíticas com plataformas automatizadas para fazer a testagem em maior escala. Posteriormente, isso tudo vai ficar como legado para o sistema de vigilância epidemiológica do SUS”, explica.

A seu ver, a pandemia está evidenciando, de forma muito contundente, a necessidade de fortalecermos o Sistema Único de Saúde em suas várias dimensões. “Na vigilância, na atenção básica, na sua articulação com outras políticas públicas, na relação com o meio ambiente, na dimensão de informações ágeis e confiáveis, bem como qualificadas, e na produção e fornecimento de insumos e tecnologia”, pontua.

Mas como fazer boa ciência sem investimento em recursos humanos?

De acordo com um estudo realizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), mais de 8 mil bolsas permanentes de pesquisa oferecidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) foram cortadas. Uma queda de 10,4%, passando de 77,6 mil para 69,5 mil bolsas desde março, quando foi publicada a portaria 34 da Capes.

A seca no sistema de bolsas vai de encontro a uma realidade que deveria estimular o aumento dos investimentos. Em uma década, a publicação de artigos científicos no Brasil cresceu quase 70%, de acordo com dados da National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos. Em 2008, eram 35.490 publicações e, atualmente, os dados mais recentes apontam 60.148 artigos publicados até o ano de 2018. Mesmo com o agigantamento da ciência nacional, cortes de bolsas ameaçam a área e indicam retrocesso.

No dia 5 de junho, o encontro virtual “O valor da Ciência, da Tecnologia e da Inovação como política de Estado”, promovido pelo Observatório da Democracia, reuniu especialistas e cientistas para levantar reflexões sobre os investimentos em ciência. Na ocasião, o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, traçou um histórico sobre importantes contribuições da ciência para o desenvolvimento do país, citando exemplos que nasceram dentro das universidades públicas e de centros de pesquisa nacionais.

E você? Como vem avaliando a ciência nacional? Contribua com suas reflexões enviando mensagens para as redes sociais do Museu da Vida ou detalhando sua opinião para o e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

 

Publicado em 10 de julho de 2020

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