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Por Melissa Cannabrava

Criado desde cedo em contato com videogames e jogos de tabuleiro - mais o primeiro que o segundo -, Sidcley Lyra, o novo mestre em divulgação científica da área, lembra de passar horas jogando Sonic no Mega Drive ou Mario no Nintendo quando criança. "Fui crescendo e os jogos foram evoluindo junto. Quando não tinha o console ou o jogo em casa, ficava horas na locadora e, anos depois, na lan house jogando com os amigos", relembra.

Durante os anos de graduação, começou a explorar com mais profundidade o universo dos jogos de tabuleiro. Já tinha jogado os “clássicos”: War, Banco Imobiliário, Perfil e Uno. Mas, conforme ia jogando outros boardgames com os amigos, como Zombicide, Checkpoint Charlie, Coup e A Guerra dos Tronos: Board Game, mais vontade dava de jogar novos estilos. Foi no último ano da graduação em ciências biológicas, com modalidade em microbiologia e imunologia, que Sidcley conectou os jogos com a ciência. Aceitou, então, participar do projeto de extensão Ciência em Jogo enquanto se preparava para o processo seletivo do mestrado em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde.

Conforme ia participando do projeto, percebia que a criação de jogos com temática científica era apenas uma parte do processo e que, de forma geral, esses jogos não eram aplicados em avaliação sobre a eficiência. A partir disso, começou a procurar estudos e ferramentas de avaliação de jogos de tabuleiro, até que percebeu que são poucos os que possuem a perspectiva da divulgação científica. Dessa forma, ele começou a delimitar o estudo e a se aprofundar na avaliação de materiais educativos com temática científica na perspectiva da divulgação científica, educação não formal e alfabetização científica. O resultado está em sua dissertação, defendida em 29 de julho. O pesquisador responde as perguntas enviadas pelos nossos seguidores e dá algumas dicas sobre seu processo criativo, bem como a experiência de falar sobre jogos e ciência. Conta aí, mestre Sidcley!

Juliane Barros (/juliane.barros.507): Olá, mestre, parabéns pelo belíssimo trabalho! Eu tenho 2 perguntas: O que diferencia um jogo educativo de um jogo não educativo? Você acha que os jogos de video game, dentro dessa dimensão virtual, teriam um maior ou menor potencial de educar ou ensinar sobre ciências? Ansiosa pelas respostas! Abraços!

Sidcley Lyra: Oi, Ju! Obrigado pelo carinho e pela pergunta. Respondendo a primeira, jogos educativos são todos aqueles jogos desenvolvidos com o propósito de auxiliar a construção do conhecimento utilizando o lúdico. Dessa forma, o jogo educativo ou didático serve como um meio para atingir um conteúdo pedagógico específico e pré-estabelecido durante a etapa de concepção. Os jogos não educativos, por outro lado, são desenvolvidos para serem atividades de entretenimento e com uma perspectiva comercial, por mais que alguns jogos possam ajudar no desenvolvimento cognitivo e de habilidades dos jogadores.

Sem dúvidas os videos games e os jogos digitais também têm potencial para o ensino de ciências. Porém, não saberia dizer qual gênero têm mais potencial para isso somente com a pesquisa desenvolvida durante o mestrado. O que observamos com outros estudos é que os jogos educativos digitais, de forma geral, possuem um foco excessivo em transmitir o conteúdo de forma textual, apresentando poucos recursos estéticos, porém seria necessária uma análise mais aprofundada para chegar a alguma conclusão.

Denyse Amorim (/denyse.amorim): Gostaria de saber se esses jogos poderiam apoiar as atividades em museus para o público espontâneo.

Sidcley Lyra: Olá Denyse! Obrigado pela pergunta. Resposta curta: sim, podem apoiar. Resposta longa: analisei três jogos educativos durante o desenvolvimento da pesquisa de dissertação que estão inseridos na exposição “Todos a bordo! Uma viagem pelo Corpo Humano”, no Museu Ciência e Vida, na cidade de Duque de Caxias/RJ. De forma geral, os jogos educativos podem ser desenvolvidos ou adaptados pelo setor educativo do museu ou outro espaço de educação não formal e introduzidos na exposição ou atividade com a finalidade de reforçar conceitos apresentados durante a visitação. Atualmente, diversos museus fazem isso com jogos de tabuleiro e digitais.

Julianne Gouveia (/julianne.gouveia): Olá, mestre! Parabéns pela pesquisa! Antes de qualquer coisa, me explica: o que é alfabetização científica?

Sidcley Lyra: Obrigado, Julianne! O termo “alfabetização científica” é entendido de diferentes formas dependendo da área em que estamos estudando. No Ensino de Ciências, a alfabetização científica pode ser entendida como o ensino de conceitos e conhecimentos científicos gerais e específicos dentro da Ciência. Nesse sentido, ser cientificamente alfabetizado significa estar familiarizado com os fatos, conceitos, teorias, leis, ideias e conhecimentos científicos. Porém, não é esse o conceito que trabalho na dissertação, que tem uma perspectiva na Divulgação Científica.

Assim, a concepção dentro da Divulgação Científica se baseia em uma alfabetização científica centrada no desenvolvimento da população para que atinjam uma independência científica, contribuindo para a formação cidadã e autonomia nas decisões do cotidiano. Essa perspectiva da alfabetização científica vai além da aprendizagem de conceitos e fatos e envolve pegar esse conhecimento e refletir.

No atual cenário da pandemia de COVID-19, ficam cada vez mais visíveis os impactos da ciência em nosso dia a dia, principalmente na área da saúde e política. Essa situação exige diversas atitudes e percepções sobre o assunto, incluindo o discernimento de riscos e controvérsias da Ciência. Dessa forma, conhecer como a Ciência realmente funciona nos levaria a expressar atitudes mais críticas levando em consideração informações fundamentadas na Ciência.

Virgínia Codá (/VCoda): Oi, Mestre. Essa é realmente uma Dúvida que eu tenho há muito tempo. O termo alfabetização científica é bastante discutido e até mesmo considerado polêmico, porque alguns pesquisadores simplesmente acham que é um péssimo termo, visto que não acreditam que alfabetizar leve em consideração o conhecimento prévio da pessoa em assuntos científicos. Qual a sua opinião sobre isso?

Sidcley Lyra: Eu acredito que parte da questão está na definição de alfabetização científica, que possui algumas diferenças quando abordada na área de Ensino de Ciências e na Divulgação Científica.

No Ensino de Ciências, a palavra alfabetização está diretamente relacionada com o ensino de ler e escrever. Dessa forma, a pessoa é cientificamente alfabetizada quando aprende e consegue utilizar os símbolos, fatos e conceitos científicos. Porém, não necessariamente de forma contextualizada para sua vivência e, dessa forma, a alfabetização científica seria apenas uma ferramenta.

No contexto da Divulgação Científica, a alfabetização científica se baseia na concepção de que o termo “alfabetização” vai além da capacidade de ler e escrever. Percebemos a alfabetização não como uma ferramenta para obtenção de conhecimentos sobre conceitos, teorias e leis científicas, mas, sim, como um processo que envolve o domínio destes saberes científicos pelo indivíduo, aliado à capacidade de organizar seus pensamentos de forma lógica e crítica e relacionar com o contexto social e ambiental em que vive, gerando novos significados e conhecimentos.

Por isso é importante sempre definir qual é o contexto em que se está utilizando o termo alfabetização científica. E isso é uma questão em outros países também, que até possuem termos diferentes para se referir à alfabetização científica, como “Culture Scientifique”, na literatura de língua francesa, e “Enculturação Científica” ou “Cultura Científica”, na literatura de língua portuguesa.

Roberto Takata (@rmtakata): Esses jogos precisam ser ministrados em um contexto de aula, com professores/mediadores, ou o efeito pode se dar mesmo em partidas a princípio somente por lazer?

Sidcley Lyra: Oi, Takata, obrigado pela pergunta. Nós analisamos somente as cartas dos três jogos com temática em microbiologia para esta dissertação. Não analisamos os jogos sendo aplicados, seja no contexto escolar ou em museus de ciências, com professores/mediadores ou sem. Para te responder, essas análises precisariam ter sido feitas. De qualquer forma, as entrevistas com os idealizadores nos mostrou que os três jogos são utilizados com mediação.

Na verdade, a análise da aplicação dos jogos era uma proposta inicial, porém teve que ser retirada na reta final da dissertação. Os jogos estão inseridos na exposição “Todos a bordo! Uma viagem pelo Corpo Humano”, no Museu Ciência e Vida, na cidade de Duque de Caxias/RJ. Entretanto, o museu teve que fechar temporariamente por conta da pandemia de COVID-19 no dia em que seria a inauguração da exposição.

Renata Fontanetto (@renata_fontanetto): Sidcley, você diria que esses jogos são baseados no modelo de déficit da divulgação científica? Como os seus resultados podem informar e contribuir para a prática de educadores?

Sidcley Lyra: Sim, identificamos certa relação entre os três jogos analisados com o modelo de déficit da Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia, mas não diria que os jogos são baseados totalmente nesse modelo. Observamos que há a priorização, mesmo que de forma não intencional, de conteúdos e conceitos científicos com a pretensão de solucionar a assumida falta de informação do “público leigo”.

Os jogos educacionais, de forma geral, são planejados e desenvolvidos por pesquisadores, professores e alunos que não possuem conhecimento técnico na área de Game Design, Design Gráfico e Divulgação Científica. Este fato leva à produção de jogos e materiais educativos que priorizam a transmissão do conhecimento nos formatos tradicionais da educação formal e no modelo de déficit, apresentando jogos no estilo de trilhas e/ou de pergunta e resposta. Ainda, colocam os aspectos estéticos em segundo plano, concebendo materiais com recursos visuais pouco envolventes e chamativos, ocasionando limitações em despertar o interesse e motivação dos jogadores.

Apesar destes desafios, os três materiais educativos analisados apresentaram a interação estético-afetiva e cognitiva de forma aprofundada e vale destacar o material “Imune – Série Vírus” como o jogo que apresenta maior potencial estético-afetivo, muito provavelmente por ser o único a incluir um profissional de Design na equipe.

Como não podemos extrapolar os resultados que encontramos com a análise dos três jogos para todos os jogos educativos, acredito que a grande contribuição para os educadores seja mostrar a importância da avaliação dos jogos utilizando uma metodologia consolidada. Se essa etapa não ocorre, não temos como garantir que o propósito do jogo está sendo cumprido durante a aplicação. Isto serve tanto para educadores de espaços de educação não-formal, como museus, jardins botânicos, aquários, parques naturais, quanto para educadores de espaços de educação formal, como professores, pedagogos e gestores.

Renata Fontanetto (@renata_fontanetto): Como você construiu sua metodologia? Por que jogos educativos na alfabetização científica e não na divulgação científica? Como você avalia essa relação?

Sidcley Lyra: As análises dos jogos educativos foram realizadas com a utilização da ferramenta teórico-metodológica “Indicadores de Alfabetização Científica”, desenvolvida pela equipe da pesquisadora Martha Marandino (que estava presente na minha banca de avaliação). Essa ferramenta foi desenvolvida com a finalidade de avaliar diversas atividades em espaços de educação não formal e ações de comunicação pública da ciência utilizando a perspectiva da Divulgação Científica.

Baseamo-nos na alfabetização científica no contexto da Divulgação Científica, por mais que exista o contexto do Ensino de Ciências. Nessa perspectiva, a premissa da alfabetização científica é entendida como um apanhado de conhecimentos que um indivíduo deveria ter para compreender, refletir e emitir opiniões sobre processos e acontecimentos científicos, assim como compreender as consequências negativas e positivas para os cidadãos, para o Estado e para a própria Ciência.

Rafael de Albuquerque (@rdealbuquerque): Excelente proposta! Gostaria de perguntar ao Sidcley sobre jogos possíveis para o ensino público, que aproveitem a realidade de turmas grandes e poucos recursos tecnológicos.

Sidcley Lyra: Excelente pergunta, Rafael. Os jogos de tabuleiro para sala de aula são excelentes para suprir essas questões, pois não necessitam de aparelhos digitais nem de internet. Por outro lado, existe uma gama de jogos de tabuleiro. Cada jogo possui uma dinâmica de tempo, número de jogadores e complexidade de regras diferentes. Isso tem que ser levado em consideração na hora da escolha do jogo, além da proposta pedagógica por trás da atividade. Outra vantagem dos jogos de tabuleiros são as versões chamadas Print and Play, disponíveis na internet para imprimir e jogar, como o nome diz. Essa é uma opção que necessita de poucos recursos e poderia ser implementada em turmas grandes, com ajudar de monitores ou estagiários.


Publicado em 28 de agosto de 2020
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