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Por Julianne Gouveia

 

A curiosidade natural das pessoas sobre sua profissão sempre intrigou a bióloga Carolina Mattos. A busca por novas formas de desmistificar o ofício e divulgar ciência a levou aos canais científicos do YouTube, mas também a uma triste constatação: a baixa presença de divulgadoras de ciência na plataforma. Na dissertação ‘A mulher como divulgadora da ciência: um estudo da inserção feminina no Science Vlogs Brasil’, a mestra em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde da Casa de Oswaldo Cruz busca compreender a situação através do estudo de caso de quatro projetos liderados por mulheres que se dividem entre os papéis de cientistas e youtubers: Peixe Babel, A Matemaníaca por Julia Jaccoud, Arqueologia Pelo Mundo e Versada by Vane Costa. Estes são os únicos canais liderados por mulheres entre os 60 vlogs que integram o ScienceVlogs Brasil, coletivo que agrega no YouTube professores, pesquisadores e checadores de fatos contra a desinformação na ciência. Outros canais apresentam equipe mista, com mulheres e homens. “Não é possível que, numa plataforma gratuita e de livre acesso, o número de mulheres divulgando ciência seja consideravelmente menor que o de homens. Foi exatamente o desconforto com essa falta de representatividade feminina que me motivou a realizar a pesquisa”, explica. Carolina Mattos agora responde a perguntas enviadas pelos seguidores do Museu da Vida nas redes sociais na mais nova edição da seção “Conta Aí, Mestre”. Confira!

Julianne Gouveia (/julianne.gouveia): Pela sua pesquisa, você percebeu que esses canais possuem algo em comum (linguagem, formato etc.), para além de serem comandados por mulheres? Por outro lado, o que cada um tem de único dentro do ScienceVlogs Brasil, na sua opinião?
Carolina Mattos: Olá, Ju. Excelente pergunta! A linguagem e formato dos canais tende a convergir às métricas utilizadas pelo YouTube. Questões como linguagem mais direta e simples, o uso de recursos audiovisuais chamativos, thumbnails (miniaturas de fotos), palavras-chave, títulos chamativos e produção de temas quentes tende a ser um direcionamento dos canais. As entrevistadas também afirmaram haver uma produtiva troca de conselhos entre os membros do ScienceVlogs Brasil, de formas de abarcar melhor a audiência. São questões que, de maneira geral, tendem a padronizar algumas nuances dos formatos. O formato vlog no YouTube, por exemplo, é o mais utilizado. O uso de quadros que separam temáticas distintas também é comum. Vale lembrar, entretanto, que todas as entrevistadas afirmaram utilizar diversas plataformas para realizar divulgação da ciência e estar mais próximo das suas audiências. Há também uma marca individual de cada apresentadora e um universo específico da área que divulgam. Todos os canais são muito dinâmicos. O de Marcia Jamille, por exemplo, guarda uma estética e linguagem imersivas específicas da arqueologia. O Matemaníaca trabalha uma comunicação mais moderna e intimista com a audiência. O Peixe Babel é apresentado sob uma dinâmica em que as duas apresentadoras realmente discutem e oferecem pontos de vista. O Versada By Vane Costa parte de uma temática e destrincha as diversas nuances do conteúdo. Cada canal é um espetáculo à parte. 

Fernando Alves (/fernando271986): Parabéns, Mestra Carol! Durante a pesquisa, quais foram as principais dificuldades e desafios apontados para a inserção e engajamento das cientistas mulheres dentro da plataforma? E quais foram os motivos apontados para a representação numérica tão pequena, apenas quatro em 59 (canais no ScienceVlogs Brasil)?
Carolina Mattos: Olá, Fernando! Obrigada pela gratificação! Questões como o baixo retorno financeiro do YouTube, o elevado custo de equipamentos (necessidade de alcançar uma melhor qualidade técnica dos vídeos), a disputa por atenção com conteúdos anticientíficos e notícias sensacionalistas, o tempo necessário para a produção de conteúdos de qualidade, a necessidade de manter frequência de postagem para bater as métricas do YouTube e de conhecimentos técnicos (principalmente relacionados ao uso avançado da plataforma) foram os principais desafios relatados pelas entrevistadas. Quanto à representação numérica baixa, as entrevistadas citaram os algoritmos e seus sistemas de recomendação, a violência destinada às apresentadoras, o comportamento e preferência geral do público e o nicho de produção de conteúdo. A reduzida representatividade de mulheres também foi citada como desmotivadora, sendo um indicativo perspicaz de que aquele ambiente, em algum ponto, é hostil ao sucesso feminino. 

Renata Fontanetto (@renata_fontanetto): Carol, super importante pensar a trajetória das divulgadoras no SvBr! Já li seu trabalho e, inclusive, estou citando pra caramba na minha dissertação! =) Você poderia contar pra gente os tipos de violências que as divulgadoras sofrem por estar no YouTube e por serem mulheres? Alguma delas sofreu racismo? Qual deveria ser o papel da divulgação científica do ScienceVlogs Brasil frente a essas opressões?
Carolina Mattos: Olá, Rê! Obrigada pela gratificação! As violências, no relato das entrevistadas, foram constantes, configurando um conjunto de eventos importantes para a baixa representatividade de canais puramente femininos na plataforma. Posso destacar aqui as violências de gênero, indo do assédio, passando pela tentativa de simbolismos negativos ao feminino e alcançando até deslegitimação da figura da mulher. Não foram relatados eventos de racismo pelas entrevistadas. Entretanto, como relatado por Marcia Jamille, eventos de xenofobia são constantes. É importante destacar que alguns dos eventos de violência ocorreram justamente quando as apresentadoras fizeram vídeos com outros canais – e canais masculinos. Há, portanto, um cenário que ainda permite, por parte das audiências, a ocorrência de tais situações. Claro que esta é uma questão que foge (até certo ponto) do poder do SvBr permitir ou não. Lembro até que, dentro de alguns relatos, a comunidade é um ponto de apoio e de amizades que ajudam a vencer sofrimentos advindos de tais eventos. Muitos dos canais do SvBr tratam da questão de gênero com profunda responsabilidade. Entretanto, não tive contato com tantos conteúdos sobre a temática da violência, um problema de saúde que já possui vasta abordagem científica. Talvez, trabalhar essa temática de forma mais humanizada seja um bom caminho dentro do universo de possibilidades da comunidade. 

Melissa Cannabrava (@melmmcs): Oi, Carolina! O tema da sua pesquisa é super interessante e necessária. Parabéns! Eu queria entender um pouco mais sobre o processo de pesquisa com as youtubers. O quanto você esteve presente na vida delas durante esse período?
Carolina Mattos: Olá, Melissa, obrigada pela gratificação! No período anterior às entrevistas e até no período anterior à minha entrada no mestrado, sempre estive inteirada com o conteúdo dos canais. Todos trabalham temas dos quais me interesso.  Durante o processo das entrevistas, todos os depoimentos foram feitos por meio eletrônico, como o Skype e Hangouts. Isso foi necessário devido ao menor tempo e à distância. Depois das entrevistas, troquei alguns contatos, conversas e experiências em redes sociais. Todas foram muito receptivas. 

Julianne Gouveia (/julianne.gouveia): Foi uma surpresa pra mim descobrir que havia tão poucas mulheres no ScienceVlogs Brasil. Esta é uma realidade dentro da divulgação científica? Que outro fato surpreendente você constatou com a sua pesquisa?
Carolina Mattos: Também me surpreendi com o baixo número de canais femininos no ScienceVlogs Brasil. Nas universidades, o número de mulheres já é maior que o número de homens. O número de mestras e doutoras também segue essa ascensão do feminino. Apesar disso, diversos estudos vêm denunciando o reduzido número de mulheres divulgando ciência. E isso não é uma exclusividade do YouTube. O número de mulheres falando de ciência nos telejornais também é baixo. Um fato surpreendente que constatei em minha pesquisa foi ausência de ações do YouTube para contornar o reduzido número de canais femininos de divulgação científica na plataforma. Também me surpreendeu, no relato das entrevistadas, o elevado número de eventos de violência que ocorrem quando participam de outros canais ou tratam de temáticas diversas às de costume, se expondo a audiências que não são suas. 

Julianne Gouveia (@_amarelodeserto): Pelo que você levantou, como essas youtubers conciliam produção de conteúdo e vida acadêmica? Que exemplos e conselhos, talvez, possamos tirar destes casos específicos?
Carolina Mattos: A conciliação entre a produção de conteúdos e a vida acadêmica é bem difícil por conta do tempo no qual elas precisam produzir, roteirizar, fazer edições, trabalhar, estudar etc. De maneira geral, foi unânime que a produção é um processo que demanda maior tempo. Para conciliar vida acadêmica e produção de conteúdos, algumas entrevistadas afirmaram que roteirizar e manter um planejamento foi um ponto importante para conseguir conciliar a vida acadêmica e a produção de conteúdos. Outra já afirmou que, com o crescimento do canal, foi necessário contratar profissionais de design, edição e direção. Algumas também contaram com o apoio de amigos, familiares e até do público para manter a frequência de produção. Ainda houve o relato de uma entrevistada que buscou cursos de edição para agilizar o processo, reduzindo o tempo demandado. São diversas as possibilidades, mas, no geral, todas afirmaram que, em algum momento, não conseguiram conciliar, reduzindo a frequência de postagens. Acredito que a construção coletiva ou com ajuda seja o melhor caminho. O YouTube também oferece uma plataforma dinâmica e com diversos cursos que auxiliam no desenvolvimento do canal, inclusive com conselhos para harmonizar a vida pessoal e a produção. 

Publicado em 26 de março de 2021
Atualizado em 31 de março de 2021 e 9 de abril de 2021

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