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Por Melissa Cannabrava

Apesar de o tema ser considerado dogmático, a nova mestra em divulgação científica da praça, Carolina Folino, mergulhou de cabeça no universo dos jovens ao realizar a pesquisa "Saúde e Teatro: o potencial da peça O rapaz da rabeca e a moça Rebeca". O espetáculo a fez entender os tabus que circulam especialmente em temas como gênero e sexualidade. A dissertação, defendida em julho de 2020, analisou a contribuição do espetáculo do Museu da Vida para o engajamento de jovens no debate dos temas HIV e Aids. 

A peça misturava cordel e poesia para contar a história de jovens de famílias rivais que se apaixonam. Expulso de sua cidade, João Tapeba sai pelo mundo e se torna um artista famoso. Ele promete voltar à sua terra e se casar com a amada Rebeca, mas uma notícia inesperada muda o rumo da história.

Identificar os momentos da atividade teatral mais marcantes para os jovens foi a missão de Carol, que verificou a repercussão da atividade teatral durante sua itinerância, entendendo e examinando quais tipos de reflexões, discussões e ações a peça foi capaz de estimular entre 72 estudantes da Zona Norte do Rio de Janeiro. Os alunos participaram do estudo e retornaram a um encontro cerca de seis meses depois, compartilhando suas empolgações  e experiências.

A mestra afirma o quanto foi interessante o fato de os jovens terem "descoberto" novos métodos contraceptivos e também destaca o grande interesse desses jovens em saber mais sobre a importância de informações sobre sexo, sexualidade e infecções sexualmente transmissíveis. É com muito orgulho que convidamos vocês, nossos seguidores, a conhecer mais uma pesquisa brilhante da série “Conta Aí, Mestre”. Carolina Folino responde às perguntas enviadas pelos seguidores do Museu da Vida. Chega mais, mestra! 


Fernando Alves
Mestra Carol, parabéns pela pesquisa! Como foram as reações e recordações do público estudantil ao terem a oportunidade de falar e opinar sobre um assunto tão dogmático na sociedade brasileira? E, quanto pesquisadora, como você se sentiu conversando com o público?

Fê, meu amigo! Obrigada pelos parabéns e pela pergunta. Percebemos empolgação por parte de quase todos os estudantes entrevistados ao falarem da peça, do debate com os atores que ocorreu após a apresentação da peça e também ao falarem sobre os temas abordados. Acreditamos que, apesar de o tema ser, de fato, dogmático como você colocou, os jovens entrevistados pareceram à vontade e entusiasmados de poderem emitir suas opiniões e tirar dúvidas comigo e com a minha orientadora - fizemos todas as entrevistas e grupos focais juntas. Enquanto pesquisadora, me senti muito feliz e aprendi bastante no contato com o público. Essa pesquisa me fez ter a certeza de que nosso trabalho tem grande relevância, assim como evidenciou a importância de darmos vozes a este público, especialmente em temas tão caros como a Aids, o gênero e a sexualidade. Ainda temos muito o que fazer e pesquisar nessa área! 

Julianne Gouveia
Oi, Carolina! Qual era o perfil dos jovens entrevistados? Você percebeu diferenças nas respostas quanto a faixa etária, gênero, raça etc. dos participantes?
Oi, Julianne! Os jovens da pesquisa eram alunos da rede municipal do Rio de Janeiro, na Zona Norte, especificamente, de Olaria e Bonsucesso. Eles tinham idades entre 13 e 17 anos e, no total, 72 estudantes participaram da pesquisa. Os grupos focais realizados eram mistos, isto é, incluíram pessoas do sexo masculino e feminino, mas não nos ativemos nas diferenças de respostas, por não ser o foco da pesquisa. Seria, definitivamente, interessante investigar se haveria diferenças, mas não passamos formulários para os participantes para identificarmos quem eles eram em termos de raça e gênero. De modo geral, a empolgação para falar de suas memórias e experiências, os temas que surgiam foram bastante homogêneos, mas percebemos que, em alguns grupos focais, os meninos se sentiam um pouco mais retraídos do que as meninas. Muito obrigada pela sua pergunta!

@renata_fontanetto
Oi, Carolina, boa tarde! Tudo bem? Você teve participantes do sexo masculino e feminino? Você fez alguma comparação entre os gêneros? Se sim, o que você observou nessa comparação? Caso não tenha comparado os gêneros, deixo aqui uma outra questão: quais foram alguns dos discursos principais trazidos pelos estudantes em relação à peça?
Oi, Renata! Tudo ótimo. Obrigada por enviar essa pergunta. Nós fizemos grupos focais mistos, incluindo participantes do sexo feminino e masculino e, nas entrevistas individuais, optamos por entrevistar apenas pessoas do sexo feminino para aprofundar algumas questões de gênero que nos interessavam. Então, não comparamos os resultados em questão de gênero! Em geral, a peça foi considerada divertida, lúdica e um momento de grande aprendizado. Uma curiosidade encontrada na pesquisa foi que, em alguns momentos, nas memórias dos jovens que haviam assistido à peça cerca de seis meses antes, as lembranças da peça e do debate pós-peça com os atores acabavam se misturando. Durante o debate, os atores demonstravam a utilização de preservativos e debatiam alguns temas levantados pela peça, buscando aprofundar algumas discussões sobre Aids. Dentre os comentários sobre o debate, foi muito interessante o quanto eles apreciaram o fato de terem "descoberto" o preservativo feminino, por exemplo. Todos demonstraram grande interesse pelo tema e demonstraram saber a importância de se debater e de saber sobre sexo, sexualidade, infecções sexualmente transmissíveis... Os comentários foram muito positivos! Os elementos dramatúrgicos, as músicas e o humor foram bastante memorados por aqueles jovens! Estes resultados foram muito relevantes para a pesquisa, já que o objetivo geral era analisar o potencial desta peça para engajar os jovens no tema, então descrevemos todos estes resultados em um tópico na dissertação, chamado de “Apreciação da atividade teatral".  

@melmmcs
Oi Carol! Parabéns pelo trabalho. Na pesquisa você conseguiu avaliar o impacto da proposta de conscientização através da arte? Em sua opinião, qual seria a melhor forma de trabalhar com divulgação científica nas escolas?
Obrigada pelos parabéns! Fico feliz com a pergunta. Bom, o intuito da pesquisa não foi avaliar ou medir a conscientização através da arte. A pesquisa visou, especificamente, identificar os momentos da atividade teatral que foram mais marcantes para os jovens, verificar se houve (e se sim, como foi a) repercussão da atividade teatral dentro e fora das escolas em que foi realizada e examinar quais tipos de reflexões, discussões e ações a atividade teatral foi capaz de estimular entre os jovens. Então, as respostas a estas perguntas que guiaram o trabalho indicaram que o teatro tem grande potencial para engajá-los no tema, havendo, como respondido em outra pergunta, espaços para debates, reflexões, conversas e atividades posteriores para concretizar tal engajamento. Sobre a segunda parte da pergunta, acredito que não exista uma forma melhor ou pior de divulgação científica, seja nas escolas ou em outros espaços, desde que haja planejamento, entendimento dos objetivos que se deseja alcançar, compreensão do público-alvo e do contexto em que tal público se insere.

@_amarelodeserto
Oi, Carolina! Parabéns pelo trabalho! O HIV é uma doença muito menos falada hoje em comparação às últimas décadas. Pelo que você percebeu na sua pesquisa, como os jovens se relacionam com ela quanto à prevenção e ao estigma? De que maneira a peça ajudou a sanar dúvidas e desinformação para os jovens que assistiram?
Olá! Muito obrigada! De fato, houve um silenciamento sobre o HIV nos últimos anos se compararmos com as décadas iniciais da epidemia de Aids, que está inclusive mascarando os novos casos e dando uma falsa ilusão de que a epidemia está controlada. É claro que, atualmente, existem opções viáveis de tratamento com TARV (terapia antirretroviral), de prevenção para além dos preservativos (PrEP e PEP) que são divulgadas de certa forma... No entanto dois fatores relevantes nesta questão da prevenção e do tratamento são o estigma e as vulnerabilidades sociais que não têm sido alvo de campanhas governamentais atualmente. Na minha pesquisa, escrevo sobre o retrocesso que temos vivido nesta área. Então, o que percebemos entre os estudantes consultados na pesquisa é que a Aids parece muito distante da realidade deles, como se quase não se tocasse no assunto. Identificamos que a prevenção, para eles, tem uma grande relação com a contracepção (usar métodos como pílula, injeção, DIU e o preservativo que não é tão lembrado entre eles, segundo os próprios estudantes). A contracepção foi um dos assuntos que ganhou mais destaque no diálogo com eles. Assim, em primeiro lugar, todos demonstraram uma preocupação muito grande com a prevenção de uma gravidez indesejada. Apenas após demonstrarem tal preocupação, surgia o tema da Aids e outras infecções sexualmente transmissíveis. Sobre o estigma, preconceito e discriminação, percebemos que a mensagem sobre isso, abordada na peça, na qual o protagonista sofre preconceito do pai de sua amada por ter HIV, não reverberou tanto entre os estudantes. Assim, o estigma acabou não sendo abordado de forma espontânea por nenhum estudante, de modo que eu e a minha orientadora, como entrevistadoras, fizemos algumas perguntas relacionadas a isso para estimulá-los. O que pudemos identificar foi que o estigma, na visão dos jovens, está fortemente relacionado com a falta de informação, pois os jovens falavam que, atualmente, as pessoas não possuem informações sobre as formas de transmissão do HIV e, por isso, sentem preconceito de se aproximar de pessoas que vivem com HIV/Aids. 

@rodriguesrobertopalito
Quantos tabus foram levantados e quebrados?
Oi, Roberto! Obrigada pela pergunta! Acredito que os tabus levantados foram muitos, tanto de forma espontânea por parte dos alunos nas entrevistas e grupos focais quanto de forma levantada pelas entrevistadoras (eu e Carla, minha orientadora). Os temas foram desde a importância da educação sexual nas escolas e nas famílias, passando pelos estigmas de pessoas que vivem com HIV, machismo e homofobia, por exemplo. Acredito que falar e refletir sobre tais tabus seja o primeiro passo para quebrá-los, mas é necessário que outras estratégias e novas pesquisas sejam feitas nesse sentido!

@aguilarpablo
Você acha que houve uma maior abertura ou maior engajamento ou pesquisa sobre o tema HIV/Aids na rotina dos estudantes após a participação das turmas entrevistadas na peça?
Pablo, muito obrigada pela sua pergunta. Um dos resultados que observei e que, inclusive, considero um dos mais relevantes da minha pesquisa foi que a peça abre muitas frentes de reflexão para esse público, tanto sobre o tema HIV/Aids quanto sobre os temas que o atravessam, como o machismo, a homofobia e outras vulnerabilidades sociais. Sem dúvidas! Mas devo apontar, como o fiz na dissertação, que a oportunidade para dialogar e refletir – nesse caso, seis meses depois de terem assistido à peça, foi fundamental para concretizar esse engajamento no tema. Percebemos, inclusive, que ao longo das entrevistas e grupos focais, os jovens pareciam refletir, ter insights e tirar dúvidas que não necessariamente o fariam sem a presença das entrevistadoras seis meses após terem assistido à peça. Portanto, defendemos que além da peça, é importante que haja oportunidades de diálogo e de reflexões para que o engajamento se concretize.

 @Lacraialeticiaguimaraes
Como a sua pesquisa poderia nos dar um parâmetro ou ao menos uma ideia do quanto a experiência do espetáculo seguida do debate pode ter impactado ou transformado a maneira de pensar a prevenção a ISTs?
A pesquisa traz à luz, em primeiro lugar, a necessidade de se abordar este tema com este público. Foi perceptível a importância que deram tanto ao momento da peça e ao debate, já que lembravam com riqueza de detalhes em grande parte dos casos e, também, do momento de conversa com as entrevistadoras para realizar a pesquisa. Então percebemos que tenha sido relevante ter realizado a pesquisa, especialmente, por estes dois motivos: 1) para dar um retorno qualitativo sobre o impacto desta estratégia na vida daqueles estudantes; 2) para dar a oportunidade dos jovens refletirem e tirarem dúvidas sobre o assunto alguns meses depois da peça. De acordo com os resultados que obtivemos na pesquisa, o espetáculo e o debate compuseram uma experiência teatral que, segundo os próprios estudantes, foi um momento de diversão, de compartilhamento de ideias, de aprender e de pensar sobre esse tema. Foi uma experiência notoriamente relevante para aqueles estudantes, mas que deve ser reforçada por educadores e por outras ações para que haja, de fato, uma transformação no modo de pensar sobre o assunto. Entendemos que a peça cumpriu sua função de maneiras muito bonitas, social e culturalmente, pois levou arte, educação e cultura para diversos públicos – no nosso caso, os estudantes que entrevistamos no geral não haviam assistido a uma ou mais peças anteriormente. 

 

Publicada em 19 de novembro de 2020

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