Informativo do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida Fiocruz
Ano XXII - nº. 325. RJ, 8 de julho de 2025.
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Não é só nos Estados Unidos que medidas governamentais ameaçam a ciência. Em São Paulo, estado que mantém uma rede de institutos científicos independentes das universidades e concentra grande parcela da produção científica nacional, um Projeto de Lei Complementar (PLC 9/2025) tem tirado o sono de pesquisadores paulistas e preocupado a comunidade científica brasileira. Enviado pelo Governo do Estado à Assembleia Legislativa em maio, o PLC propõe a reestruturação da carreira dos pesquisadores do estado, com menor estabilidade e sem garantias de progressão por tempo de serviço, além de prever a extinção do Regime de Tempo Integral. Apesar de ser apresentado como uma “modernização da carreira”, o projeto é considerado por pesquisadores, que têm se manifestado em várias frentes, “um grave retrocesso institucional, funcional e financeiro, com impactos diretos sobre a ciência, a inovação e os serviços públicos essenciais à população”. Em 15 de maio, a presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader, escreveu carta ao governador de São Paulo propondo a retirada do projeto da Assembleia Legislativa e a abertura de um processo participativo de debate com os pesquisadores e as instituições envolvidas, “de modo a garantir que as mudanças pretendidas não representem ameaça ao futuro da ciência paulista, mas sim uma oportunidade de fortalecimento institucional e valorização da carreira científica”. Em nota de posicionamento de 19/6, a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo reforça a falta de diálogo do governo com os pesquisadores do estado na elaboração do PLC e aponta outros pontos inconsistentes do projeto, que, no entanto, continua tramitando na Assembleia Legislativa do Estado de SP em regime de urgência... Mas e quando a ciência não é nada cidadã? Nesta edição do boletim Ciência & Sociedade, confira pesquisa que releva lado obscuro da ciência cidadã, uma forma de fazer ciência supostamente participativa que tem ganhado crescente atenção, mas que nem sempre oferece benefícios claros para os participantes. Esta edição traz também indicação de estudo sobre como emoções afetam a intenção de se vacinar contra o HPV e de leitura sobre como cartuns podem ser estratégia potente de divulgação científica. Ainda no C&S de julho, confira programação de férias do Museu do Ipiranga (SP), webnário sobre hesitação vacinal, evento híbrido de DC e oportunidades de apoio a atividades da SNCT 2025, prêmio de DC e treinamento para jornalistas.
Especial Desinformação
Webnário sobre hesitação vacinal – O Centre for Science Communication da Universidade Stellenbosch (África do Sul) dá continuidade à série de webnários “Medical Misinformation Webinar Series”, que aborda os perigos de alegações médicas não verificadas e oferece ferramentas para checagem de fatos. A próxima edição acontece no dia 11/7, de 8h às 9h30 (horário de Brasília), e se concentrará no tema da hesitação vacinal e da disseminação generalizada de desinformação sobre as vacinas, um problema que continua a minar os esforços de saúde pública em todo o mundo. O webinário fornecerá insights baseados em evidências sobre a segurança das vacinas e explorará quem é responsável pela disseminação de desinformação relacionada a elas, incluindo as motivações e os benefícios por trás de tais ações. Também examinará o impacto social mais amplo dos mitos sobre vacinas, particularmente como a desinformação influencia a confiança pública, os comportamentos de saúde e as decisões políticas. Confira aqui quem são os panelistas e faça inscrição para receber o link do evento.
Leituras
Emoções, atenção e campanhas sobre HPV – Estudar a recepção de informações sobre ciência – não só de ciência – envolve alguns desafios, mas uma tese de doutorado foi além: buscou entender a recepção de informações sobre vacinação de HPV a partir de experimentos com emoções induzidas, informações sobre a origem do imunizante e coletando dados sobre a leitura do material da campanha de imunização com um rastreador ocular. Realizado com 233 jovens brasileiros entre 18 e 26 anos, faixa etária elegível para a vacinação contra o HPV, a pesquisa mostrou que a origem do imunizante – China, Brasil ou Estados Unidos –, quando mencionada no material publicitário, não afetou a intenção de vacinação dos participantes – diferentemente do que ocorreu com a vacina contra a Covid-19. Com o rastreador, a pesquisa procurou entender a atenção dos participantes a uma campanha de vacinação, após a indução aos sentimentos de medo, tristeza e alegria. A indução de felicidade resultou em maior fixação do olhar dos participantes nos elementos ilustrativos da campanha, com exceção da imagem da seringa. Segundo os autores da pesquisa, esse padrão de atenção visual sugere que a emoção de alegria leva à percepção de menor risco, fazendo com que os participantes se concentrem em aspectos mais positivos e atrativos da mensagem. Já a indução de medo levou ao aumento da fixação do olhar nas informações textuais, sugerindo que essa emoção pode estimular uma busca mais intensa por informações de texto que ajudem a compreender melhor os riscos e formas de prevenção. A indução de tristeza levou à maior fixação do olhar na imagem da seringa, sugerindo um maior foco em aspectos negativos da campanha, como a dor associada à vacinação. Leia aqui mais sobre a pesquisa.
O lado obscuro da ciência cidadã – A ciência cidadã é celebrada por fomentar o engajamento público e a democratização do conhecimento, mas nem todas as práticas que envolvem participantes em tarefas científicas têm os mesmos ideais. O post “Welcome to the Dark Side: Unmasking The Other Face of Citizen Science”, publicado em junho no blog SciComm Bites, traz insights para uma avaliação crítica de projetos de ciência cidadã. O texto apresenta uma pesquisa que compara o Galaxy Zoo, projeto de ciência cidadã “tradicional” (CCT), e o reCAPTCHA do Google, definido como projeto de ciência cidadã “obscura” (CCO), termo criado para práticas sem transparência, consentimento ou benefícios claros aos participantes. As comparações, baseadas nas dimensões propósito, processo, perceptibilidade, poder e resultado, revelam que o propósito da CCO é imperceptível para os envolvidos em práticas involuntárias e desiguais em favor da indústria de tecnologia. Revelam ainda que os projetos de CCT também têm um lado controverso: a participação cidadã é usada para treinar modelos de IA, que substituem gradualmente a necessidade de contribuição cidadã à medida que se aperfeiçoam. O post, assinado por Mykyta ‘Nik’ Kliapets, destaca que as reflexões da pesquisa chamam atenção para uma discussão ética mais ampla sobre as implicações do trabalho científico não remunerado e como a ciência cidadã tem sido usada para treinar modelos de IA em larga escala. Confira o post e leia aqui o artigo na íntegra.
Cartuns e DC – A pesquisadora sul-africana Marina Joubert publicou em abril deste ano, na revista Mètode, o texto “Reflections on covid-19 cartoons as battlegrounds of science and politics”, que, apesar do foco na pandemia, discute de forma mais ampla a relação entre os cartuns e temas de ciência e saúde. Mesmo pontuando que acontecimentos políticos controversos são o principal foco desse meio e que a política muitas vezes aparece mesmo em cartuns científicos, a autora vê neles uma oportunidade para a divulgação científica por considerá-los “poderosos comentários e críticas sociais, capazes de mobilizar apoio para uma causa ou aprofundar divisões sociais”. Para Joubert, “na pesquisa e na prática da divulgação científica, há um foco antigo e intenso nas relações e interações entre cientistas e jornalistas. Dado que os cartuns contribuem para o conteúdo jornalístico e refletem sobre a ciência, seria interessante e relevante criar oportunidades para cartunistas se envolverem com pesquisadores, especialmente em torno de tópicos-chave relacionados à ciência que continuarão a aparecer em ciclos de notícias futuros, como mudanças climáticas, biodiversidade, resistência antimicrobiana e pandemias”. O texto completo, em inglês, está disponível aqui gratuitamente.
Ações
Fiocruz lança livro infantil sobre as drosófilas – O Instituto Oswaldo Cruz (IOC), da Fiocruz, acaba de lançar o livro infantil Drosó... o quê?, que aborda a importância das drosófilas, as moscas-da-fruta, para o meio ambiente. O livro conta a história de Marcos, um menino curioso que adora explorar o parque do bairro, e sua prima Luci, uma estudante de biologia, em busca de respostas sobre as mosquinhas que sobrevoam uma goiaba. A obra, inspirada em atividades de laboratório e pesquisas reais com os bichinhos, inclui uma visita a um laboratório de genética onde os personagens – e os leitores – podem descobrir mais informações sobre a importância das drosófilas para a ciência. A publicação é o terceiro livro infantil do projeto “O pequeno entomologista”, do IOC, que busca promover a entomologia e mudar as percepções negativas e equivocadas sobre os insetos. Esta e as publicações anteriores - Eu, o bicho-pau! e Minha amiga piolhenta - estão disponíveis aqui gratuitamente.
Férias no Museu do Ipiranga – Entre os dias 8 e 13/7, o Museu do Ipiranga, em São Paulo, promove uma programação especial de férias, com atividades para toda a família, incluindo jogos, oficinas sensoriais, palestras, rodas de conversa e visitas mediadas às exposições, que também contam com sessões conduzidas em libras. A participação é gratuita, mas vagas são limitadas e, para algumas atividades, é necessário retirar ingresso. Confira aqui programação completa.
Eventos
Conferência BIG em formato híbrido – A BIG, uma organização não governamental britânica voltada para a divulgação científica, realizará o seu principal evento anual entre 16 e 18/7, na Royal Institution, lar das palestras de Michael Faraday, em Londres. Com workshops, debates e palestras, além de tempo previsto para networking, o BIG Event visa a troca de habilidades, ideias e experiências. Apesar de acontecer presencialmente em Londres, o máximo de sessões possíveis serão realizadas como eventos híbridos. Porém, o evento é pago – em libras... Mais informações, incluindo os valores, estão disponíveis aqui.
Oportunidades
Últimos dias de inscrição para o programa de jornalismo científico da Folha – A Folha recebe até 10/7 inscrições para o seu 10º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde. O curso será presencial, de 11/8 a 5/9, na Redação da Folha, em SP, das 9h às 18h. A seleção para concorrer a uma das dez vagas incluirá provas, análise de currículo e atividades online. Os selecionados poderão contar com bolsa de ajuda de custo caso precisem. Para mais informações, clique aqui.
Treinamento para investigar big techs – Para quem tem estômago, o Núcleo, uma iniciativa de jornalismo com foco em tecnologia digital, e o Centro Latinoamericano de Investigación Periodística vão realizar, de 8 a 12/9, na Costa Rica, a segunda edição do Big Tech Investigation Lab. O treinamento é direcionado a jornalistas experientes da América Latina que fazem investigações sobre grandes empresas de tecnologia. Veja os critérios de seleção e corra: as inscrições vão até 14/7. Confira aqui mais informações.
Apoio a atividades para a SNCT 2025 – O MCTI e o CNPq lançam chamada pública conjunta para apoiar atividades e eventos relacionados à Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), que este ano acontece entre os dias 20 e 26/10 em todo o país. Os projetos deverão ter como tema “Planeta Água: a cultura oceânica para enfrentar as mudanças climáticas no meu território”, o mesmo da SNCT. Submissões até 5/8. Para mais informações, clique aqui.
Prêmio Uerj de Divulgação Científica – A Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (EdUERJ) recebe até 10/8 inscrições para o Prêmio Uerj de Divulgação Científica. A premiação, que visa ampliar o alcance da pesquisa acadêmica nacional para o público não especializado, consiste na publicação e lançamento, pela EdUERJ, de um ensaio de divulgação científica, de autoria própria e inédita, sobre pesquisas e investigações científicas de qualquer área do conhecimento. Interessados devem ser doutores e pagar a taxa de inscrição no valor de R$ 80. Confira aqui a íntegra do edital.
Tem uma sugestão de notinha para a próxima edição do boletim Ciência & Sociedade? Oba! Envie para o e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
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Ciência & Sociedade é o informativo eletrônico do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz). Editores de Ciência & Sociedade: Carla Almeida e Marina Ramalho. Redatores: Luís Amorim e Rosicler Neves. Projeto gráfico: Barbara Mello. Informações, sugestões, comentários, críticas etc. são bem-vindos pelo endereço eletrônico <Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.>. Para se inscrever ou cancelar sua assinatura do Ciência & Sociedade, envie um e-mail para <Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.>.
* A seção Especial Desinformação é uma iniciativa do projeto “O desafio da desinformação em saúde: compreendendo a recepção para uma melhor divulgação científica”, contemplado pelo Programa Proep 2022, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e do CNPq.
Publicado em 08 de julho de 2025.