Informativo do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida Fiocruz
Ano XXII - nº. 328. RJ, 14 de outubro de 2025.
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Em setembro, como anunciamos na última edição do Ciência & Sociedade, foi realizado em Puebla, no México, o 19º Congresso da Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia para a América Latina e o Caribe (RedPOP). Entre os dias 9 e 13, foram apresentados no congresso 426 trabalhos, entre conferências magistrais, sessões plenárias, mesas redondas, comunicações orais e feiras de ideias. Ao todo fomos 502 inscritos, sendo quase 100 do Brasil. Não só os números, mas a qualidade das trocas e as dinâmicas do evento como um todo deram a sensação de uma comunidade consolidada e com suas especificidades. Depois de 35 anos da constituição dessa rede, acho que podemos falar com mais segurança em uma divulgação científica latino-americana, com DNA próprio e com contribuições relevantes para o campo em termos globais. A edição deste ano girou em torno do tema “Ciência viva: conectar mentes e comunidades”. A escolha dessa temática não se deu por acaso. Foram notórios os trabalhos e as falas que incluíam experiências, iniciativas e pesquisas envolvendo povos originários e valorizando saberes tradicionais, apresentados sobretudo por participantes do México, onde estima-se que a população originária represente pelo menos 15% da população total do país. Só para se ter uma ideia, no Brasil, a população indígena não corresponde nem a 1% do total de brasileiros. Isso fez com que essa perspectiva ganhasse foco no evento, podendo ter repercussões importantes para a DC na região, tanto do ponto de vista prático quanto acadêmico. Vale dizer que há alguns anos a valorização dos saberes tradicionais é uma bandeira da divulgação científica e está contemplada na sistematização clássica dos modelos de DC, na perspectiva sobretudo do modelo da expertise leiga. No entanto, em muitos casos e contextos, ele está mais no discurso do que na prática. Não que ele seja um modelo consensual nem de fácil aplicação, mas esperamos que as iniciativas mexicanas apresentadas no congresso da RedPOP contagiem de forma mais concreta outros países, divulgadores e pesquisadores da região. Durante o congresso, houve o lançamento de dois livros que ajudam a traçar a história e a avaliar o estado da arte da divulgação científica na América Latina, considerando seus diversos nichos e contextos. Você vai encontrar mais informações sobre eles na seção “Leituras” deste boletim. O congresso da RedPOP acontece a cada dois anos em uma cidade da América Latina. O próximo será realizado em 2027, em Medellín, na Colômbia. Em meio às comemorações pelo sucesso do congresso, uma notícia triste: a comunidade de divulgadores perdeu, em 19 de setembro, uma das suas mais reconhecidas integrantes, Julieta Fierro. A notícia pegou os participantes do congresso de surpresa. A astrofísica mexicana, que dedicou parte importante da sua carreira à popularização da ciência, havia feito a palestra de abertura do evento 10 dias antes. Nos unimos aos divulgadores mexicanos e de diversas partes do mundo ao lamentar essa grande perda. Aproveitamos para prestar homenagem também a outra cientista importante que nos deixou recentemente, Jane Goodall. A primatologista e antropóloga britânica, famosa por seu trabalho sobre as interações sociais de chimpanzés e por seu ativismo na conservação e bem-estar dos grandes primatas, nos deixou no dia primeiro de outubro. Mas voltando ao boletim deste mês... No “Especial Desinformação”, compartilhamos alerta de pesquisadores que mostram que o ChatGPT não apenas ignora, mas elogia artigos científicos retratados em revisões de literatura que são solicitados a fazer. Na seção “Leituras”, você vai encontrar a menção a um artigo que defende e apresenta os benefícios da inserção da arte no processo de produção de conhecimento. A seção “Ações” deste mês destaca a inauguração do Museu das Amazônias em Belém, no Pará. Nas seções de eventos e oportunidades, não deixe de ler sobre iniciativas gratuitas de formação para escritores e divulgadores das ciências. Esses são apenas alguns spoilers do Ciência & Sociedade de outubro. Não deixe de conferir a edição completa. Boa Leitura!
Especial Desinformação
Um ponto cego da IA generativa – Ferramentas de inteligência artificial generativa estão sendo aplicadas nos mais diversos âmbitos e funções na sociedade. No meio acadêmico, o ChatGPT tem sido usado de forma recorrente na realização de revisões de literatura sobre uma determinada temática ou área científica. Para quem já adotou essa prática, vai aqui um alerta importante: segundo pesquisa da Universidade de Sheffield (Reino Unido), o ChatGPT não é capaz de identificar se um artigo científico foi retratado. Pesquisadores pediram à ferramenta que avaliasse a qualidade de 217 artigos acadêmicos publicados em periódicos importantes, porém posteriormente retratados. Em NENHUMA das avaliações o ChatGPT mencionou que o artigo havia sido retificado, corrigido ou que apresentava qualquer problema. Ou seja, a ferramenta não foi capaz de conectar o aviso de retratação, frequentemente presente no título do artigo ou na página da editora, com o conteúdo que deveria avaliar. Pior: o ChatGPT frequentemente elogiava – e muito! – os artigos falhos. Os pesquisadores Er-Te Zheng e Mike Thelwall alertam para o risco de as IAs generativas contribuírem para a perpetuação de informações falsas, com implicações sociais sérias. Eles também ressaltam que, pelo menos por enquanto, é imprescindível que os acadêmicos verifiquem sempre, de forma independente, o status das pesquisas que citam. Leia aqui o texto dos pesquisadores, em inglês, publicado no site da London School of Economics (Reino Unido).
Leituras
RedPOP comemora 35 anos com lançamento de livros – Comunicar la ciencia en Ibero-América: un sobrevuelo por la región e Popularización de la ciencia en América Latina: experiencias, avances y desafíos en 35 años de RedPOP foram lançados durante o último congresso da Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia para a América Latina e o Caribe, realizado em Puebla, México, entre 9 e 13 de setembro. No primeiro, o objetivo foi ajudar a traçar a história recente da divulgação científica na região. Já o segundo integra perspectivas críticas e reflexivas sobre o amadurecimento da divulgação científica na América Latina, buscando identificar avanços e desafios em diferentes subcampos, entre eles o de percepção pública da ciência, museus, jornalismo científico e teatro. Os livros são fruto de uma parceria entre o Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia, a RedPOP, o Museu da Vida Fiocruz da Casa de Oswaldo Cruz/ Fundação Oswaldo Cruz e o Museo de Ciencias da Universidad Autónoma de Zacatecas. Além disso, o primeiro livro conta com a participação da Dirección General de Divulgación de la Ciencia da Universidad Nacional Autónoma de México (Unam) e o segundo com a colaboração do Espacio Ciencia del Laboratorio Tecnológico del Uruguay. Ambos estão disponíveis na seção de publicações do site do Museu da Vida Fiocruz.
Religião e ciência: tensões e convergências na confiança pública – Religião e ciência existem em domínios cultural e socialmente relevantes e dialogam entre si desde que vivemos em sociedade. Embora haja uma percepção comum de tensão entre as duas, este não é um entendimento universal. De acordo com a pesquisa “Religious values and confidence in science: Perceived tensions and common ground”, publicado em setembro na revista PLoS One, as atitudes em relação à religião e à ciência têm mais facetas do que frequentemente é reconhecido. Baseados em dados representativos de adultos americanos entre 18 e 90 anos e análises estatísticas, os pesquisadores investigaram como as visões religiosas, incluindo percepções de conflito e harmonia entre ciência e religião, preveem a confiança na ciência em dois estudos. Um dos resultados mostra que, embora as percepções gerais de religião e ciência como conflitantes previram negativamente a confiança na ciência, quando os indivíduos percebem que a religião endossa a proteção do planeta, sua confiança na ciência é maior. Para os autores, destacar pontos de convergência entre religião e ciência pode ser uma estratégia eficaz para cultivar e fortalecer a confiança pública na ciência. Leia aqui o artigo completo.
A arte e a coprodução de conhecimento – A arte tem sido cada vez mais usada na divulgação científica como forma de conscientizar e engajar a sociedade no debate sobre a crise ambiental, com vários resultados interessantes. Mais raras são as iniciativas que exploram a arte na coprodução de conhecimento no campo, desperdiçando um potencial relevante da interface ciência-arte de contribuir não apenas para a solução do problema ambiental, mas também para propiciar ambientes de pesquisa mais diversos, decoloniais e culturalmente sensíveis. É o que defendem os autores do artigo “The underexplored potential of the arts in environmental social sciences”, publicado este mês na revista Environmental Science & Policy. Nele os pesquisadores propõem um modelo de classificação de projetos de ciência-arte que exploram o caminho da coprodução de saberes e da pesquisa participativa. O modelo leva em consideração dois aspectos: a autoria do produto artístico gerado, que pode ser de um ou mais artistas, ou dos participantes do projeto; e a forma como a arte é usada no processo científico, podendo ela se tornar dado da pesquisa ou funcionando como dispositivo moderador, estimulando a participação e o debate sobre temas ambientais. No artigo, o modelo é testado a partir de 4 exemplos de pesquisas baseadas em artes no campo das ciências sociais ambientais. Os resultados indicam que os quatro quadrantes do modelo são menos categorias isoladas e mais parte de um continuum ou espaço indistinto, de modo que as fronteiras entre eles não são estáticas. Mas, mais do que isso, o artigo ressalta os benefícios de incorporar as artes ao processo científico, destacando a incorporação de formas de conhecimento emocional, afetivo e corporificado à pesquisa, o que pode “revelar novas dimensões de dados, apoiar a autorreflexão e a percepção crítica e desafiar a dinâmica hierárquica entre pesquisadores e participantes, promovendo um diálogo mais inclusivo”. Leia a íntegra do artigo, em inglês, aqui.
Ações
Museu das Amazônias abre ao público – A inauguração oficial foi em 3 de outubro, mas suas portas foram abertas aos visitantes no dia seguinte com duas exposições: “Amazônia”, composta por cerca de 200 imagens em preto e branco do fotógrafo Sebastião Salgado, e “Ajurí”, com instalações de artistas da região Norte e de outras partes do Brasil. Segundo a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, o Museu das Amazônias, localizado em Belém (PA), é um espaço de popularização da ciência interativo, tecnológico e capaz de retratar não apenas a biodiversidade, mas também as expressões populares e os saberes da Amazônia. O museu recebeu investimento de R$ 20 milhões do MCTI, por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e terá visitação gratuita até fevereiro de 2026. Saiba mais no site do ministério.
Programação de outubro no Instituto Principia – O Instituto Principia (SP), centro de produção e difusão do conhecimento científico e de conexão da ciência com a sociedade, oferece programas para jovens interessados em ciência, eventos acadêmicos e várias atividades de DC para o público em geral. No dia 17, das 14h às 18h, o espaço recebe a oficina “Aprenda a editar a Wikipédia: mulheres latino-americanas na ciência”, na qual pessoas interessadas em ciência aberta, diversidade e colaboração digital aprenderão os primeiros passos da edição na Wikipédia. No dia seguinte, 18, das 10h às 12h30, ocorre o evento de Premiação da Olimpíada Brasileira de Física das Escolas Públicas (OBFEP). Promovida em parceria com o Instituto de Física da USP, a programação conta com Show da Física do IFSUP e a palestra “Como podemos conhecer o que não vemos?”, do pesquisador José Ortega (IF/USP). No dia 31, às 19h, o instituto encerra o mês com a edição especial de Halloween do Cinema científico, com exibição do filme “Os Outros” e bate-papo com o pesquisador Marco Varella (IP/USP). Para inscrições gratuitas e mais informações, clique aqui.
Eventos
Ciência e tecnologia em tempos de crise – As Jornadas ESOCITE 2026 acontecerão em Bogotá (Colômbia), de 24 a 26/6, com o tema central "Quais ciências e tecnologias são possíveis em meio às crises? Outros horizontes para o campo CTS diante dos novos extrativismos e das fraturas do Estado". Está aberta até 15/11 a chamada para apresentação de trabalhos na categoria “Feira de projetos”, que acontecerá em 25/6 no centro de ciências Maloka. Para submeter seu trabalho e obter mais informações, acesse aqui.
Workshop para escritores de ciência – A Associação Britânica de Escritores de Ciência oferece, em 23/10, um workshop online para escritores interessados em escrever sobre ciência para publicações em inglês. Os participantes não precisam ter o inglês como primeira língua. O workshop, com duas horas e meia de duração, contará com editores e escritores freelancers e custa 75 libras. Saiba mais.
Oportunidades
Curso gratuito sobre a divulgação das mudanças climáticas – A Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento oferece, de 28 a 30/10, curso online e gratuito sobre a divulgação das mudanças climáticas. Ministrado em espanhol, o curso abordará estratégias de comunicação baseadas em evidências científicas para fortalecer a divulgação, combater a desinformação e promover respostas adaptativas à crise do clima. As inscrições vão até 21/10 e podem ser feitas aqui.
Ciência em versos – Sam Illingworth, professor da Universidade Edinburgh Napier e grande entusiasta da divulgação científica por meio da poesia, está oferecendo um curso online para quem tem interesse em explorar essa vertente da DC. O curso começa em 21/10 e será realizado ao longo de quatro semanas, com uma hora de aula síncrona semanal, além de exercícios adicionais assíncronos. São 50 libras para participar, mas há três bolsas para pessoas de baixa renda. Mais informações e inscrições, clique aqui.
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Ciência & Sociedade é o informativo eletrônico do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz). Editores de Ciência & Sociedade: Carla Almeida e Marina Ramalho. Redatores: Luís Amorim e Rosicler Neves. Projeto gráfico: Barbara Mello. Informações, sugestões, comentários, críticas etc. são bem-vindos pelo endereço eletrônico <Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.>. Para se inscrever ou cancelar sua assinatura do Ciência & Sociedade, envie um e-mail para <Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.>.
* A seção Especial Desinformação é uma iniciativa do projeto “O desafio da desinformação em saúde: compreendendo a recepção para uma melhor divulgação científica”, contemplado pelo Programa Proep 2022, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e do CNPq.
Publicado em 15 de outubro de 2025.